A palavra crise, do grego krisis, ou DECISÃO, foi incorporada na língua portuguesa como CRISE no século XVIII. No início, como era usada por Hipócrates, definia o momento na evolução de uma doença, quando o paciente se encaminhava claramente para a morte, ou seja, era o momento que transcendia a cura, era o ponto entre a
morte ou a vida. No século X IX, a palavra passou a ser empregada na economia. Interessante é que o termo em chinês, segundo a versão de alguns filólogos, weiji, “crise”, é um ideograma formado pela junção de dois outros – um negativo, “perigo” (wei), e um positivo, “oportunidade” (chi). Olhando por esse lado, é válido o senso de que nas crises se encontram soluções brilhantes.
Mas soluções inteligentes não nascem por acaso, elas partem de um planejamento inteligente; e mesmo assim, só poucas se tornarão uma oportunidade. Ou seja, soluções inteligentes não garantem oportunidades, mas, ao contrário, ações desprovidas de inteligência caminham em sua quase totalidade para se tornar um perigo.
Do ponto de vista de COMPRAS, com a nossa tendência histórica a negociações centradas em preço, se não nos vigiarmos, poderemos caminhar muito mais para o perigo do que para a oportunidade. Na crise de 2008, fui convidado para participar de uma reunião-evento com profissionais da primeira linha de Compras, com cerca de 50 grandes empresas do Brasil, incluindo grande número de multinacionais tops no mundo. Surgiram apresentações tipo: “agora vão dar valor para Compras”, “agora vão ver como conseguimos tirar ‘leite de pedra’ de nossos fornecedores”. Admitir isso como verdade significa que, no mercado sem crise, algumas áreas de Compras
podem ser chamadas de incompetentes. Essa visão de que a margem de lucro da minha empresa é construída com o prejuízo da dos fornecedores, ou seja, que bons negociadores são os que “apertam” os fornecedores, é de uma miopia sem o menor cabimento — e dramaticamente danosa em crises.
A seguir, algumas observações sobre o que é crise e como ela se traduz para Compras, ou melhor, para a função compras — e aqui eu incluo todos da cadeia interna das necessidades que serão compradas.
1 • Na Crise, a Urgência e os consequentes RISCOS aumentam
Na Crise o sentido do deslocamento das empresas se inverte. Nos momentos normais ou de expansão, o movimento é para o crescimento. Os movimentos nessas fases são de planejamento, procura-se crescimento com evolução.
As ações da Função Compras privilegiam os resultados, trabalhando na Cadeia de Fornecedores de forma positiva.
Já na Crise, os movimentos lembram mais a sobrevivência. N ós nos sentimos como se estivéssemos escorrendo em direção ao ralo. Cada um nessa Cadeia de Fornecedores procura passar o “mico” para o outro. Essas ações pela sobrevivência correm o risco de ruptura dessa cadeia, o que aumentará significativamente o custo de sua reconstrução. Manter o foco de cadeia de fornecedores para focar os nossos Clientes é necessário, mas agora as ações devem contemplar a crise. Obrigatoriamente deveremos ser criativos e inovadores. E, nesse ambiente, a participação do fornecedor é fundamental. Processos devem ser avaliados à exaustão nessa ótica. Será que não é hora de aprofundar a confiança, deixando de lado as ações com foco na desconfiança, que não agregam valor, só custos? Não haverá outras formas de tratar o produto a ser comprado? Certamente sim. O fornecedor não poderá melhorar nossa especificação ou escopo? É claro que sim. Projetos conjuntos com fornecedores são cada vez mais usados pelas empresas mais performáticas. Eles devem ser a tônica da relação em uma situação de crise. Não há
solução para a oportunidade sem a participação intensa do fornecedor.
O Procurement Strategy Council mostra que, já em 2007, as empresas de ponta despendiam mais de 25% de seu tempo em relacionamentos com fornecedores.
2 • Como nas crises de energia ou água as soluções salvadoras são as que reduzem os desperdícios
Na segunda crise do petróleo, em 1978, uma importante tinturaria industrial, que tingia fios, foi pega de surpresa pelo aumento do preço do óleo combustível, seu principal insumo, que subiu 500%. A fábrica tinha o número, considerado muito bom, de que cada quilograma de fio tinto gastava um quilograma de óleo combustível na
caldeira. Todas as ações para redução desse consumo foram feitas em conjunto com os fornecedores. Depois de 12 meses, a fábrica passou a gastar 160 gramas de óleo combustível para um quilograma de fio tinto.
3 • Reduzir o CUSTO OPERACIONAL é muito mais VITAL do que a redução do preço de compra de um material ou equipamento
Heero Hacquebord, em seu livro Statistical Thinking for Leaders, divide as ações possíveis sobre qualquer processo em duas: “Value Added” e “Cost Added Only”. Ou seja, ou pensamos em ações que realmente adicionam valor aos nossos processos, ou implantamos ações que convivem com os problemas. Nessa óptica, por exemplo, investir em polícia, embora necessário, só acrescenta custo. A desconfiança tem seu custo, e ele é muito alto. Nas crises, o que precisamos é muito mais que uma redução de custo, precisamos de um salto de competitividade, que só é possível
colocando o fornecedor para trabalhar em conjunto conosco nesse sentido.
4 • As soluções criativas OPORTUNAS não são as de “tiro curto”, são as que são incorporadas aos PROCESSOS
Aprendemos que os problemas podem ter soluções simples ou complexas. As simples podem ser difíceis, custosas, de grande magnitude, mas sua característica principal é que dependem só de você. As complexas, não. Podem ser até fáceis, mas dependem de vários atores. Levam um tempo significativo em termos de envolvimento e organização para se tornar uma opção eficaz. E não podemos esquecer o forte e excelente componente de adesão de todos envolvidos sob medida para as situações de crise. Em Compras existe uma máxima antiga muito conhecida: “Em uma negociação tradicional, o máximo que se consegue é uma redução de 5% no preço. Para conseguir reduções
de 30% a 40%, é preciso atuar desde a concepção”. Numa crise, a única solução eficaz é a complexa, e o envolvimento deve ser da cadeia de suprimentos como um todo, com a participação de todos os que internamente se envolvem nas compras, desde a formulação da necessidade, passando pelas diferentes áreas funcionais e chegando até aos fornecedores.
Em uma importante unidade industrial de uma grande multinacional, uma crise inflacionária sobre os alimentos impactou fortemente os custos e o consequente preço da alimentação. Formado um grupo de trabalho para estudar
alternativas, foi incluído o fornecedor da alimentação, um dos maiores do mundo. O grupo foi formado por Benefícios, Compras e o Fornecedor. A gerente do fornecedor, participante do grupo, sugeriu oferecer uma nova opção proteica, sem retirar as demais. O objetivo era atrair o funcionário para essa nova opção, o que o faria deixar de comer as opções tradicionais e de maior custo. Implantado, o projeto foi um sucesso, tanto do ponto de vista de custo como também dos empregados, que puderam escolher a opção que melhor os satisfazia. Como não usar o conhecimento de um player que trabalha com as necessidades de vários clientes, que desenvolveu um conhecimento
tão grande, certamente muito maior do que o nosso? Não podemos dispensar “a cabeça” do fornecedor, principalmente nas crises.
5 • A vantagem de criar uma RELAÇÃO ESTRATÉGICA, nos momentos de sobrevivência
Superar os maus momentos juntos aumenta a lealdade e cria vínculos de admiração e cumplicidade. Um casamento longevo e saudável passa por várias fases de relacionamento, e este passar saudável traz a mais pura satisfação
para os indivíduos. A filósofa e professora Terezinha Rios, em uma palestra no Instituto de Marketing Industrial,
nos disse: “As coisas estão na nossa frente, nós é que não reparamos nelas”. Reparando, eu me lembrei de uma afirmação sobre os casais que mudaram de cidade, principalmente do Rio de Janeiro para Brasília quando de sua inauguração: “O casal que sobreviver morando em Brasília terá vida longa”. Muitos casais viveram uma forte crise externa, por exemplo com os filhos, e sobreviveram a ela se apoiando com galhardia. Evoluíram para uma relação sustentável, saudável e longa. Ou seja, na crise se constroem “relacionamentos admiráveis”. Eu me atrevo a dizer
que é mais do que admiração, chega a se tornar uma cumplicidade admirável. Essa é a possibilidade de relacionamento que uma crise traz para uma relação cliente-fornecedor. E esta relação saudável deve ser perseguida de forma estratégica por uma empresa que quer se tornar válida.
Não existe empresa válida só nos bons momentos. Concluindo, nos vários diagnósticos que fizemos da Função Compras, era nítido ver que as organizações tinham um forte sentimento de que sua área de Compras era pouco eficiente. Os diretores de Compras afirmavam peremptoriamente que seus subordinados não tratavam suas atividades de forma estratégica. As áreas usuárias do serviço de Compras a tinham como uma área puramente operacional. Se trabalhar de forma estratégica e inteligente é uma necessidade para Compras, nestes momentos de crise é essencial. Nossa grande oportunidade é aproveitar a crise para a grande virada. É a hora de sermos percebidos como uma área verdadeiramente estratégica. E o Reverse Industrial Marketing pode ser a melhor alternativa a ser usada.
Autor – José Arnaldo Silveira D’Áurea
Sócio-diretor da Supriqual Consultoria é associado do Instituto de Marketing Industrial e consultor da Strategia Gestão Empresarial.